domingo, 27 de maio de 2018

LUDOVICO PERSICI

Nasceu em Alfredo Chaves (ES), em 1899. Faleceu em Matilde, onde se encontrava em tratamento de saúde, em 1949. (1) Era filho de Erasmo Persici (nascido em Zibello, província de Parma, Itália, em 1878) e de Maria Giro (nascida, em 1879, no distrito de São Joaquim, em Alfredo Chaves). Além de Ludovico, que era o primogênito, o casal teve mais dezessete filhos, dos quais sobreviveram dez: Ludovico, Virgílio, Emília, Plínio, Luiz, Teresa, Lúcia, Clorinda, Arlindo e Atilio.
Erasmo Persici mantinha em Alfredo Chaves uma oficina de relojoeiro e ourives, profissão que ensinou aos seis filhos do sexo masculino, fazendo com que todos exercessem essa atividade até o fim da vida, tradição que é mantida até hoje por Arlindo, único sobrevivente da família, o qual ainda trabalha no empreendimento instalado numa das ruas centrais de Cachoeiro de Itapemirim.
Curioso e dotado de notável inteligência e capacidade inventiva, Ludovico Persici freqüenta desde muito pequeno a oficina do pai. Manuseia ferramentas, desmonta e monta aparelhos, apenas para procurar entender como funcionavam. Apesar de sua pouca idade era admirado pelos vizinhos e amigos pela facilidade que demonstrava ao lidar com os mais complexos maquinários. Esses vizinhos e amigos entregavam ao pequeno Persici gramofones e toda a sorte de objetos avariados para que este os consertasse.
Família Persici: Erasmo e Maria Giro Persici
(sentados), e os filhos: Virgílio, Plínio, Ludovico
(em pé, de terno claro), Luiz, Emília, Teresa, 
Atílio, Arlindo, Lúcia e Clorinda.
Autor: Ludovico Persici.
Data: 1922.
Dimensões: 14 x 9 cm.
Acervo: Arlindo Persici, Cachoeiro de 
Itapemirim.
Reprografia: Jove Fagundes.
Segundo seu irmão Arlindo, é provável que o engenho e a arte tenham-se manifestado em Ludovico Persici por volta dos 10 anos, durante a construção da Estrada de Ferro Vitória - Cachoeiro de Itapernirim, quando o garoto imitava ou tentava reproduzir cada etapa da construção dessa estrada, instalando, num barranco, uma espécie de miniatura de cortes, túneis, tormentes, trilhos....(2).
Nessa época, insatisfeito com o fato de ter de mergulhar, inúmeras vezes, a pena de sua caneta no tinteiro para escrever suas lições escolares, inventou uma caneta, adaptando-lhe um conta-gotas, que enchia de tinta. O invento chama a atenção de colegas e professores, admirados com a facilidade e a rapidez com que o menino escrevia seus textos, concluindo assim as tarefas bem antes dos outros alunos. Todavia, contrariando a autoridade paterna e não suportando a monotonia da escola, nem o marasmo e a mesmice de Alfredo Chaves, abandona os estudos na 3ª série primária e foge de casa várias vezes, fazendo com que o severo pai empreendesse verdadeira maratona à sua procura.
Em 1913, ao completar 14 anos, Erasmo Persici leva o filho fujão para o Rio de Janeiro, para garantir assim a sua vontade de torná-lo ourives e relojoeiro. Encaminha-o para se aperfeiçoar na conceituada relojoaria do espanhol Manuel Palmério, esperando que o filho voltasse depois à cidade natal como exímio profissional, para ajudá-lo no negócio.
A cidade grande encanta o jovem por seu movimento, seu burburinho, pela "flânerie" dos finais de tarde, por seus sons, suas luzes, seus cafés, restaurantes e lojas elegantes, mas, principalmente, por seus cinemas. A grande novidade que empolga a sociedade carioca e fascina Persici é o cinematógrafo. Torna-se freqüentador assíduo das sessões cinematográficas aos sábados e domingos, como se aquele mundo mágico o hipnotizasse. E não raramente assiste à mesma fita várias vezes.
Interessa-se também por música, motivado provavelmente pela apresentação das bandas antes e durante as sessões do cinema mudo. Começa então a tocar pistão, tornando-se, em pouco tempo, exímio instrumentista. Aprende também a elaborar retratos, a preparar as chapas, os produtos químicos e os banhos para revelar os próprios filmes, a reproduzir e ampliar as fotografias.
Esses conhecimentos seriam de fundamental importância, uma vez que iria aplicá-los mais tarde na elaboração das imagens, composições, enquadramentos, cortes, das películas que produziu como cineasta.
Depois de passar dois anos no Rio de Janeiro, chega aos ouvidos de Erasmo que o casal de amigos espanhóis - em casa dos quais morava e se aperfeiçoava Ludovico - preparava-se para voltar à Espanha e pretendia levar consigo o jovem para estudar na Europa, empolgado com a sua inteligência e verve inventiva. Erasmo dirige-se imediatamente ao Rio de Janeiro e obriga o filho a retornar a Alfredo Chaves, não o autorizando a viajar.
Ao regressar ao interior do Espírito Santo, Ludovico não revela grande entusiasmo com a relojoaria, mas começa a pôr em prática primeiro os conhecimentos de fotógrafo amador, retratando os irmãos, a família inteira, amigos.... Retardava o tempo do disparador da objetiva e corria para se posicionar ao lado dos parentes na cena fotográfica. Registrou ainda vistas e paisagens. Revelava os filmes, reproduzia e ampliava ele próprio as imagens, num laboratório que improvisou numa pequena cobertura na residência paterna, secando os filmes num varal. A fotografia foi também objeto de sua experiência: aperfeiçoou e consertou câmaras, criou processos e reproduziu as imagens em variados suportes, segundo seus familiares.
Pouco depois de Ludovico voltar a Alfredo Chaves, passa por lá um alemão, trazendo um projetor de filmes, apresentando com ele uma fita, cujo enredo consistia simplesmente na figura de um árabe caminhando pelo deserto com seu camelo. No final na exibição, o jovem, então com 16 anos, não se contém. Aproxima-se do estrangeiro e recebe autorização deste para ver e tocar na máquina e no filme, com as próprias mãos. Recebe de presente um pedaço de película, com o qual dá asas à imaginação.
Em 1917, passando por dificuldades financeiras, a família Persici decide mudar-se para Castelo. O motivo foi a queda do movimento de sua oficina de relojoeiro, dada a decadência de Alfredo Chaves, suplantada em progresso econômico e populacional pela outra cidade. Mas, segundo Fernando Tatagiba, a razão maior da mudança dos Persici para Castelo teria sido evitar novas fugas de Ludovico, que não suportava a falta de perspectivas na pacata Alfredo Chaves e fugia muitas vezes de casa, exigindo que o pai se deslocasse por toda a região à sua procura, hipótese que é também confirmada pelo irmão de Ludovico.
Em Castelo, emprega-se como ajudante de operador da máquina de projeção, no cinema do Sr. Rangel. Poucos meses depois, com a aposentadoria do proprietário e a venda do cinema para Antero Rodrigues, o jovem é promovido a operador oficial do cinema, então denominado American Cine.
Aos 20 anos de idade, Ludovico Persici, embora se revelasse mais fascinado pelo cinema e pouco afeito à relojoaria, não lhe restava outra alternativa de vida a não ser abrir o próprio negócio do ramo familiar. Mesmo assim, o talento na arte de ourives e relojoeiro era, de longa data, reconhecidamente superior ao do pai, e, por desavenças constantes com este, resolve montar sua própria oficina em Afonso Cláudio. E não desiste do sonho de cineasta e inventor. Começava aí a desenvolver o projeto do seu mais original invento: um aparelho de filmar e projetar. Sem contar com nenhum equipamento específico ou recurso técnico, nem ajuda financeira, transforma a oficina de trabalho no seu laboratório de experiência.
Em 1924, alguns meses depois de se casar com Eliza Fernandes D'Avila, transfere a sua oficina de ourives para Conceição do Castelo. Ali, com a ajuda do sogro, aluga uma sala e, com um velho projetor, monta o próprio cinema. Para assistir aos filmes sentado, o público precisava trazer de casa as cadeiras e Ludovico se apresentava tocando pistão para divertir a platéia durante a espera e para anunciar o início da sessão.
Cerca de dois anos após, em 1926, concluiu a sua original engenhoca: uma máquina que filmava, projetava, copiava, media a metragem do filme, quadro a quadro. Era ainda dotada de uma campainha, que avisava o término da sessão cinematográfica. Para pôr em prática o seu invento, Ludovico produziu, dirigiu e escreveu o roteiro de um filme bangue-bangue (gênero americano que iniciava a sua fase áurea), tendo como atores seus próprios amigos. Tornava-se assim o pioneiro do cinema no Espírito Santo e um de seus precursores até mesmo no Brasil. Viaja em seguida ao Rio de Janeiro, acompanhado de alguns amigos, para registrar o aparelho, que recebeu a patente número 16476, no Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, em 1927, lendo-se à página 70 do livro n' 13, do Registro Geral de Patentes de Invenção:
o Ministro de Estado dos Negócios da Agricultura, Indústria e Comércio, tendo em attenção as disposições do Regulamento a que se refere o Decreto n. 16.264, de 19 de Dezembro de 1923, e o que requereu Luduvico Persici, brasileiro, ourives, domiciliado na Estação de Castello, Município de Cachoeiro de Itapemirim, Estado do Espírito Santo, por seus procuradores Leclerc & Co., agentes de privilégios, estabelecidos na Cidade do Rio de Janeiro, para a invenção de "Aperfeiçoamento em apparelhos cinematographicos", con forme o relatorio e desenhos, depositados sob o n. 3380, em 16 de fevereiro de 1927.
A validade da patente era-lhe exclusiva "pelo prazo de quinze anos, preservados os direitos de terceiros e a responsabilidade do Governo quanto à novidade e utilidade da invenção". No memorial descritivo do aparelho, informa que o mesmo possuía "dispositivos para filmar, projetar, copiar e medir as fitas cinematográficas, além de um mecanismo para dar sinal ao esgotar-se a fita", tudo num único aparelho em formato compacto e portátil.(3)
Realiza dois curtas-metragens documentários, no mesmo ano de 1927: um sobre a chegada do trem e outro sobre as moças castelenses passeando pelas ruas da cidade. Persici continuava ligado ao American Cine, onde exibia esses filmes, nas prévias da sessão principal.
Sem recursos financeiros próprios e sem receber apoio do poder público, que lhe possibilitasse industrializar o seu invento, busca em Belo Horizonte concretizar esse objetivo. Para lá se transfere, em 1931, levando consigo a sua máquina, estimulado por amigos que o fazem acreditar que naquela cidade tudo seria mais fácil. Para sobreviver, enquanto residia na capital mineira, atuava como pistonista da banda de música do consulado italiano. Mas vê frustrado seu sonho com o desaparecimento do aparelho que inventou.
Com a morte do pai, em 1935, Ludovico regressa a Castelo, para assumir a joalheria que o mesmo mantinha. Desgostoso e cada vez mais arredio, não tem parada e entrega-se à bebida.
Muda-se para Colatina, em 1938. Três anos depois, regressa a Conceição do Castelo, onde reabre a sua própria oficina de ourives e relojoeiro.
Além das invenções citadas, afirmam seus familiares que criou outras, que igualmente se perderam. Exerceu também atividades inusitadas para a época e para um autodidata, entre as quais a montagem de complexos hidrelétricos de iluminação caseira, aproveitando pequenas quedas d'água e fez a ligação telefônica entre as empresas Domingos Ceotto & Cia, no município de Castelo, e a de Martins Ceotto, em Povoação.
Depois de estar inteiramente esquecido, Alex Viany citou o cineasta e inventor capixaba em seu História do Cinema no Brasil, em 1973. Realizou também um curta-metragem sobre a vida e os inventos de Ludovico Persici, cuja produção coube a Ney Modenesi; a fotografia foi elaborada por Hélio Silva e a pesquisa por Rogério Medeiros.
Na década de 80, foi inaugurado no Centro Cultural Carmélia M. de Souza um cineclube, que recebeu o nome de Cineclube "Ludovico Persici".
Notas: (1) Data citada em seus escritos, e confirmada em depoimento, por Arlindo Persici, irmão de Ludovico. No entanto, Fernando Tatagiba, registra em seu livro História do Cinema Capixaba, 1988, p.110, o ano da morte como sendo 1944.
(2) Depoimento à autora, em Cachoeiro de Itapemirim.
(3) Sobre o assunto, vide o álbum Município de Cachoeiro de Itapemirim (suas terras, suas leis, seu progresso, sua gente). Rio de Janeiro, Patronato, 1928.
Referência: LOPES, Almerinda da Silva. Memória aprisionada: a visualidade fotográfica capixaba, 1850/1950. [Vitória, ES?]: EDUFES, 2002
Fontes: Depoimento de Arlindo Persici à autora, em Cachoeiro de Itapemirim, em 16 de abril de 1999.
Município de Cachoeira de Itapernirim (suas terras, suas leis, seu progresso, sua gente). Rio pe Janeiro, Patronato, 1928, p. 88 a 90 e 274.
PERSICI, Arlindo. A verdadeira história do inventor capixaba Ludovico Persici, inédito.
TATAGIBA, Fernando. História do Cinema Capixaba. S.l.p., 1988, p.105-110.


3 comentários:

  1. Boa tarde!

    Onde posso encontrar mais detalhes sobre a vida de Ludovico Persici? Descobri ao fazer a árvore genealógica da família que ele se casou com minha tia avó Elisa Persici, que também era madrinha de meu pai. Moro no interior do RJ, mas a família dos meus avós são do ES, justamente da região de Castelo, Afonso Claudio, Muniz Freire. Meu pai José, era criança quando ele faleceu, mas se lembrava dele e sempre dizia que ele tinha "inventado algo relacionado ao cinema". Gostaria de saber mais sobre ele e também sobre sua esposa, no período em que moravam no ES, pois dela só tenho algumas fotos. Quem souber alguma informação sobre o assunto, sou grata. Atenciosamente, Diana S. D'Avila dianadavila01@yahoo.com.br

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  2. Que história incrível!

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  3. Ícone do cinema capixaba

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