Nasceu em Santa Teresa, em 1882. Faleceu em Colatina, em 1978. Filho de Luiz Gava e Augusta PerucHI Gava, italianos de Udine, Treviso. Apenas dois anos depois de se casar, em 1865, e já com dois filhos, Luiz, preocupado com o destino de sua família diante de perspectivas de trabalho pouco promissoras em seu país de origem, resolve partir sozinho para a Suíça, enquanto a esposa permanece na Itália trabalhando na lavoura. Vendo também ali poucas possibilidades de vir a ser bem-sucedido financeiramente, resolve emigrar para o Brasil, em 1876, em razão da propaganda do governo local para atrair imigrantes, oferecendo terras produtivas aos colonos. (1) Depois de uma viagem tormentosa, de cerca de 40 dias, e enfrentando uma epidemia de sarampo e varicela, contraída inclusive pelas três filhas do casal, causando a morte da mais nova, em alto-mar, o navio chega ao porto de Vitória. Poucos dias depois, a família segue para Santa Leopoldina, enfrentando mais 36 horas de viagem de barco, subindo o rio Santa Maria, quando perde mais uma das filhas, restando apenas a mais velha. A família Gava chega, assim, com a primeira leva de imigrantes italianos, à região de Santa Leopoldina, recebendo uma gleba da região denominada Lombardia, com mata virgem composta por grandes árvores e infestada de animais selvagens, como onças e cobras venenosas, que causavam pavor e eram ameaça constante aos europeus. Mas muitos animais foram, em contrapartida, capturados e abatidos, transformando-se a carne no único alimento da família. Enfrenta muitas dificuldades para derrubar as grossas árvores apenas a machado e serrote e para construir a moradia uma pequena tapera coberta de folhas de coqueiro e sem nenhum conforto.
Amélia Gava.
Autor Francisco Décimo Gava,
Valsugana, Santa Teresa.
Data: 1921.
Dimensões: 16,3 x 11,4 cm.
Acefvo: Maria de Lourdes Carvalho.
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Depois de cerca de três anos vivendo nas matas da Lombardia, a família Gava transfere-se para o Alto Timbuí, distante apenas três quilômetros da vila de Santa Teresa. Auxiliado pela incansável Augusta, Luiz Gava recomeça a aventura de desmatar, preparar o terreno e construir uma moradia com a madeira tirada da mata do seu terreno, além de um compartimento para pilar café e um moinho de fubá.
Em 1882, a família Gava adquire terras em Valsugana (homenagem à localidade italiana assim denominada no antigo Tirol austríaco), em Santa Teresa, recomeçando todos os preparativos da terra e da construção da casa, agora mais sólida e confortável. Luiz permanece, no entanto, em Santa Teresa, trabalhando como marceneiro, ficando a tarefa de plantar, administrar o trabalho de alguns empregados, cuidar dos afazeres domésticos e da prole numerosa a cargo da esposa Augusta. Nessa fazenda plantavam café, milho, mandioca, frutas, entre outros. Produziam vinho, açúcar, fumo, e criavam animais.
Em 1908, já cansado das vicissitudes no Brasil e doente, Luiz Gava resolve voltar à Itália, acompanhado de Augusta e de três filhos, um dos quais Francisco Décimo Gava (assim chamado por ser o décimo filho do casal), que voltaria mais tarde ao Brasil, como fotógrafo. Os três irmãos, nascidos no Brasil, foram para se casar com outras três irmãs italianas, filhas de um tio e, portanto, suas primas em primeiro grau, casamento arranjado pelos pais que precisou de autorização especial do papa. Os demais filhos permanecem nas terras de Valsugana. Luiz Gava morre na terra natal, em 1912.
Enquanto Francisco Gava permanecia na Itália, estourou a Primeira Guerra Mundial, o que o impediu de retornar a Santa Teresa. Dessa maneira, o que seria aparentemente uma viagem para acompanhar os pais e para se casar, com Genoefa Josefina Gava, transforma-se numa longa e penosa permanência, com perseguições dos alemães (que obrigavam a família a constantes fugas para as montanhas), falta de víveres e bombardeios, que culminaram com a destruição da casa da família na aldeia de Pordenoni, em Treviso. Dessa união nasceram, na Itália, os seus quatro filhos: Augusta, Antonio, América, e Amélia.
Desde muito cedo, Francisco Décimo Gava revelou vocação para a arte. Interessou-se por música, aprendendo praticamente sem mestre a tocar violino, concertina e bandolim. Também desenhava, pintava e cantava muito bem, embora fosse autodidata. Demonstrando sempre pouca afinidade com trabalho na lavoura, ele permanecia todo o tempo possível na marcenaria do pai, aprendendo com ele a entalhar e a tornear madeira. Realizou, por exemplo, várias obras escultóricas e entalhou o altar da igreja de Valsugana.
Ao chegar à Itália, fica fascinado com o universo artístico que se descortina diante dos seus olhos de jovem matuto. Para sobreviver, engaja-se como cantor de ópera e como ator na companhia de teatro de D. Camilo. Ganha de presente uma câmara fotográfica de um soldado alemão, em sinal de gratidão por tê-lo socorrido, quando o encontrou gravemente ferido, depois de um combate na guerra. Francisco decide, então, aprender a lidar com objetivas e produtos químicos com fotógrafos italianos, interessado em produzir as próprias imagens. Pretende perpetuar aquele panorama cultural, mas certamente também acredita que poderia fazer disso uma profissão, ao voltar a Santa Teresa, uma região onde a fotografia era ainda pouco conhecida. Começa a fazer alguns trabalhos na Europa com essa câmara alemã Zeis Zena 1.45 e outros equipamentos e materiais adquiridos por ele na Itália.
Carlos Genoefa Josefina e Francisco
D. Gava
Autor: Francisco Décimo Gava.
Data: cerca de 1928.
Dimensões: 15 x 9 cm.
Acervo: Maria de Lourdes Carvalho.
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Foto Gava, de F. Décimo Gava
Valsugana - Espírito Santo.
Como não havia ainda no Espírito Santo nenhuma loja especializada na comercialização de material fotográfico, adquiria chapas, produtos químicos, papéis e tintas em São Paulo. Desloca-se a cavalo por fazendas e povoados para fotografar os imigrantes e suas famílias, propriedades, festas religiosas, casamentos, a vida no campo. Leva consigo chapas, cenários pintados e objetos, para criar ambientações ilusórias. No entanto, a maioria dos retratos era elaborada tendo como pano de fundo a própria natureza, os jardins, as plantações de café ou mesmo alguma árvore frutífera desconhecida na Europa, a exemplo de mamoeiros, para que os familiares dos imigrantes tivessem idéia dos produtos que eles plantavam ou das frutas que eram descritas nas cartas. Os filmes eram depois revelados e as imagens reproduzidas num laboratório improvisado em sua própria casa. Não possuía estúdio, nem estabelecimento fotográfico fixo.
O conhecimento de artes plásticas teve alguma repercussão na atividade fotográfica, se considerarmos que era o próprio Francisco Gava quem pintava os telões ilusionistas com colunas, cortinas e os objetos que serviam de cenário para as suas fotografias. Como músico, tornou-se também conhecido em toda a região de Santa Tereza. Construía artesanalmente instrumentos musicais, como violinos, violas, violões, bandolins, entre outros. Chegou a criar um conjunto musical, contando com a participação de membros de sua família e da comunidade. Deu continuidade também à atividade de entalhador e atuou também como seleiro. A família Gava tornou-se também conhecida pelas rendas artesanais que produziu naquela região, algumas das quais foram também utilizadas nas ambientações ou nos cenários para a elaboração dos retratos. Embora tivesse poucos anos de escolaridade Francisco Décimo Gava gostava também de escrever textos e poemas. Chegou mesmo a publicar um livreto, denominado Minha Homenagem (Colatina, 1953), onde conta os infortúnios de sua mãe, Augusta Peruchi Gava (nascida em Cordignono, província de Treviso, Itália, em 1844), em terras brasileiras.
Na década de 40, transfere-se, com a família, de Valsugana para Colatina, em razão do grande impulso de desenvolvimento daquele município, nas décadas de 20 e 30, com a chegada de gente de todo o Espírito Santo e dos estados vizinhos, atraída pela qualidade de suas terras, propícias ao plantio do café e do cacau, facilmente escoados graças à construção da ponte, pela abundância de água do Rio Doce e pela extração da madeira. Fixa residência no bairro de Santa Cecília, onde instala o seu Foto Gava, contando com um bem montado estúdio, provido de novos cenários pintados por ele, além de móveis e objetos, utilizados especialmente na elaboração de retratos de crianças, gênero que o tornou muito conhecido e requisitado. Contava agora com a colaboração do filho Américo, a quem transmitiu todos os conhecimento sobre fotografia, e que deu continuidade ao seu trabalho, quando Francisco de aposentou. Adquiriu depois um imóvel na Rua Cassiano Castelo, no centro da cidade, para onde transferiu o estabelecimento e onde passou a residir. A partir daí é Américo Gava, quem percorre a cavalo toda a região, carregando a antiga câmara do pai e o restante do equipamento, num alforje preso ao lombo do animal, para retratar os imigrantes italianos e seus descendentes, além de registrar também suas lavouras, colheitas, vistas de sítios, matas, casamentos, batizados, cerimônias de primeira comunhão e outros eventos religiosos. Tornaram-se também bastante conhecidas as montagens fotográficas que elaborava.
Viajava às vezes vários dias, percorrendo longas distâncias para atender solicitações e para procurar novos clientes. Quando tinha um bom número de fotos batidas, trazia os filmes para revelar e elaborar as cópias no laboratório do estabelecimento comercial, em Colatina, contando com a participação do pai, que, já idoso, dedicava-se mais à elaboração de retratos de estúdio, especialmente de personalidades, e para documentos. Publicava anúncios publicitários desse estabelecimento, nos periódicos colatinenses da época:
Fotografia Gava - F. Decimo Gàva. O maior estabelecimento fotográfico do Estado. Rua Cassiano Castelo, 237 - Colatina - ES. A dois passos da maternidade.
Notas: (1) A propaganda para atrair imigrantes para o Espírito Santo, difundida na região da Alta Itália e parte da Áustria, bem como no Trentino (de onde era Luiz Gava oriundo), foi feita por Pietro Tabachi, residente no núcleo de Santa Cruz, mas encarregado de organizar as primeiras levas de imigrantes para a região de Santa Teresa, em 1873. O primeiro embarque de imigrantes italianos para a colônia de Nova Trento, em terras de Tabachi (composta de 386 trentinos e tiroleses da Itália), deu-se em janeiro de 1874. O segundo embarque deu-se em abril de 1875, partindo de Trento, via porto do Havre, na França (totalizava 150 famílias com adultos e crianças), grupo que segue para Santa Leopoldina e, de lá, para o núcleo colonial do Timbuí, em Santa Teresa. Em 1976, novas levas de imigrantes se deslocam para Santa Teresa, embarcando no Havre e provenientes do norte da Itália e do Trentino e outras formadas de vênetos e lombardos, embarcados em Gênova, ano em que chegam os Gava. (Cf Luiz Serafim Derenzi. Os italianos no Estado do Espírito Santo, p.97 -103).
(2) Embora a família Gava tenha sido uma das pioneiras a estabelecer-se nas terras de Santa Teresa, o seu nome não consta no monumento aos imigrantes, inseridos na parede lateral da Matriz local, o qual foi inaugurado em 1926, em comemoração dos 50 anos da chegada dos primeiros imigrantes. Segundo informações de familiares, o nome de Luiz Gava foi retirado em razão da hostilidade de alguns patrícios que o acusavam de ter escolhido para si as melhores terras da região e de ter aumentado a dimensão do próprio lote, uma vez que era a ele confiada a tarefa de medição dos lotes recebidos pelos colonos. Augusta Gava faleceu num acidente em Alto Timbuí, em 1926, quando o automóvel em que viajava, em companhia de Francisco Décimo e esposa Genoefa Josefina, foi atingido por uma tora de madeira que se deprendeu de um caminhão.
Referência: LOPES, Almerinda da Silva. Memória aprisionada: a visualidade fotográfica capixaba, 1850/1950. [Vitória, ES?]: EDUFES, 2002.
Fontes: Depoimento, à autora, de Américo e Dalto Gava, em Colatina, no dia 17.02.99.
Depoimentos de Maria de Lourdes Carvalho (sobrinha de Francisco Décimo), Vitória, 27.02.99.
Jornal da Indústria & Comércio, Colatina, primeira quinzena de agosto de 1996, Edição especial-75 anos de Colatina.
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