Nasceu em Maceió, Alagoas, em 1896. Faleceu em Vitória, em 27 de agosto de 1990, aos 94 anos de idade.
Desde muito jovem, dedicou-se a várias profissões, sempre empenhado em progredir e em tomar-se dono do próprio negócio. Foi inicialmente balconista de uma casa comercial em Garanhuns, no interior de Pernambuco, onde vendia gêneros alimentícios, tecidos baratos, como chitas, e remédios. Às vezes, era ali que se abastecia Lampião e seu bando. Foi nessa época que conheceu o alemão Van der Lynden, que atuava como fotógrafo, em Garanhuns, região de cenas e experiências de vida muito diferentes daquilo que conhecia na Europa. O alemão viajava, no entanto, por todo o interior registrando vistas e paisagens naturais e sociais.
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Florenza Monjardim Calazans
Autor: Foto Capixaba (selo sobre suporte
de papelão)
Data: 1928
Dimensões: 14 x 9,8 cm (diâmetro do oval);
16 x 11,4 cm (suporte).
Acervo: Beatriz Monjardim.
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Já casado com Joanita Paes e pai de Ivonette, Octavio Paes procura imprimir novos rumos à sua vida profissional e artística, por falta de perspectivas no Nordeste. Depois de juntar todas as economias, resolve mudar-se com a família para São Paulo, na década de 1920. O navio em que viajavam faz urna escala rápida no porto de Vitória, suficiente, todavia, para que Octavio circule pela cidade, num carro de praça. Ele fica deslumbrado com as belezas da cidade, que, ao mesmo tempo, lhe parece acolhedora e aprazível. Desiste de seguir o mesmo destino de tantos outros conterrâneos, interrompendo a viagem. Volta ao navio apenas para retirar a bagagem.
A seguir, instala-se com a esposa e a filha nas redondezas do porto, no Hotel Central, na praça Oito. Sem perspectivas para trabalhar como fotógrafo, por falta de equipamento e local apropriado, e encontrando dificuldade para se dedicar a outra atividade profissional, de imediato, antes que visse esgotadas as parcas reservas financeiras, os Paes deixam o hotel e hospedam-se numa pensão familiar, menos dispendiosa. Em pouco tempo, Joanita compra a pensão e passa a sustentar a família com o fornecimento de refeições aos pensionistas e avulsas, através de marmitas entregues nas residências da circunvizinhança. A fama de boa cozinheira logo se espalha e sua comida toma-se a preferida da cidade, preparada com a mesma dedicação e competência com que ela costumava revelar os filmes e reproduzir as fotos do marido, nos tempos em que ainda viviam no nordeste.
Octavio Paes adquire materiais e equipamentos e retoma o trabalho de fotógrafo ambulante. Circula por diferentes locais da cidade, fazendas e municípios de toda a região, elaborando retratos e registrando vistas de ruas e monumentos, além de paisagens, em especial o amanhecer e o pôr-do-sol na baía de Vitória, expressos por singulares contrastes de luz e sombra e inusitadas composições. Revelou e reinterpretou todos os recantos da cidade em inúmeras panorâmicas da baía de Vitória, paisagens naturais e arquitetônicas, singularidades de ruas tortuosas e do casario encarapitado, esgueirando-se para espreitar os encantos do mar, ou subindo preguiçosamente suas ladeiras, imagens reveladoras de uma paixão devotada à terra que escolheu para viver e trabalhar.
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Maria Ferrari, miss Colatina e Espírito Santo, em visita
ao Clube de Regatas Saldanha da Gama.
Autor: Octavio Paes (Photo Paes).
Data: 1930.
Dimensões: 23 x 17,5 cm.
Acervo: Miguel Saade.
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Em 1930, Otávio Paes adquire o Foto Stúdio, localizado à roa 1º de março nº 104, que passaria então a denominar-se Foto Stúdio Paes, segundo informa a Vida Capichaba:
Foto Brasil, o proprietário desse excelente atelier photographico, nesta capital, adquiriu recentemente o Foto Studio ( ... ) onde está em condições de bem servir à sua freguesia. Excelente artista na sua profissão, dele já temos recebido a gentileza de ótimas cópias photographicas para clichês, entre elas a de Maria Ferrari, miss Espírito Santo. ( ... ).(1)
O novo ateliê possuía instalações mais adequadas e estava equipado a contento para receber a sociedade capixaba. Paes passa a se dedicar à elaboração de fotografias artísticas e à fotopintura, produzidas com o recurso da pose, cenários especiais, móveis de estilo, cortinas, retoques, jogos de luz no estúdio - aquelas que lhe possibilitavam exercer sua vocação artística.
Agradavam-lhe mais as imagens fotográficas em branco e preto, mas, dependendo do interesse e das posses do freguês, os retratos podiam ser pintados com aquarelas importadas. Fazia também ampliações, retocando os retratos inteiramente a lápis, os quais ficavam mais parecidos com desenhos artísticos do que com imagens técnicas. Era nessas imagens que revelava a sua competência e sensibilidade na definição de uma linguagem visual. Encontrava nesse tipo de trabalho uma maneira de realização e identificação, para compensar a antiga aspiração não concretizada de tomar-se artista. Em depoimentos, enfatizava sempre que seu sonho na juventude era ser pintor. Nas horas vagas, dedicava-se a esse laboratório expressivo, desenhando e pintando assuntos variados. Segundo o próprio Paes, preferiu pintar as crianças irrequietas e engraçadas, a mulher, o homem, a natureza através da paisagem, desde que o motivo lhe oferecesse algum tipo de encanto ou tocasse seu sentimento e seu olhar. Cabeça de Velho era uma de suas obras preferidas, além de outra denominada por ele de Penumbra. Captou inúmeras vezes todos os ângulos e a entrada do Convento da Penha. Tornou-se também um dos mais requisitados profissionais para fotografar casamentos das famílias mais abastadas.
Aplicava uma técnica de "iluminação francesa", utilizando uma fonte natural de luz sobre um quadro branco, que lhe permitia iluminar por reflexão o rosto do modelo, enquanto no teto alternavam-se focos azuis e brancos. Chegou mesmo a criar uma técnica de "fotografia negra" onde todo o rosto do retratado era escurecido, iluminando apenas um detalhe da fisionomia, o que gerava um efeito bastante singular, sem prejudicar a perfeita identificação do modelo. Chamava a esses retratos "caricaturas" ou "portrait-charges", e por meio desse processo retratou todas as personalidades de Vitória, naquela época. Depois de pronta a "caricatura", levava-a para ser autografada, pelo fotografado, nas reuniões noturnas do Bar Hamburgo. Localizado à Rua Duque de Caxias, o Hamburgo era uma cervejaria que, naquele tempo, servia de ponto de encontro da boêmia e da intelectualidade capixaba. Passou a adotar esse sistema também durante as exposições de seus trabalhos, conforme se observa nesta nota-convite:
o photógrapho Octávio Paes, com atelier à rua Jeronymo Monteiro, 21, por intermédio do Diário da Manhã, convida a sociedade victoriense para assistir a inauguração, domingo à tarde, da sua original exposição de photographias raras e porte-charges (sic), com autógraphos dos intelectuais capichahas, no Salão da Associação Espírito Santense de Imprensa, edificio "Carlos Gomes". O ato terá a presença das autoridades e da imprensa desta capital.(2)
Em menos de dez anos Octavio Paes tornou-se, segundo alguns, o fotógrafo mais requisitado, o mais habilidoso e competente de Vitória, no seu tempo.
Uma propaganda publicada na revista Vida Capichaba dizia:
Trabalha atualmente para a Vida Capichaba e para a Vida Doméstica. Comparece a todas as solenidades: festas íntimas, casamentos, batizados e aniversários. Procurem o seu atelier à rua 1 de março n. 23 - Vitória.(3)
Realizou também várias exposições de seus trabalhos em casas comerciais, saguões de cinemas, entre outros locais, algumas muito concorridas, como atestam as matérias sobre a mostra realizada na Associação Espírito-Santense de Imprensa:
Constituiu realmente um acontecimento digno de nota a inauguração, anteontem, a exposição do artista-photágrapho Paes, em nossa Capital. As 4:20 minutos, chegava à sede da Associação Espírito-Santense de Imprensa, no Edifício "Carlos Gomes", o capitão Nicanor Paiva, Assistente Militar e representante do SL Governador do Estado, que, em presença do bacharelando Edgard Queiroz do Valle, oficial de gabinete e representante do Sr. Secretário do Interior, representantes da imprensa e várias pessoas de destaque social, inaugurou o belo certamen ( ... ).(4)
Ou esta publicada também no Diário da Manhã:
Estará ainda hoje franqueada à visitação pública a magnífica exposição do artista photógrapho Paes, no Salão da Associação Espírito-Santense de Imprensa. Durante a semana finda, deixaram suas assinaturas no livro cerca de duas mil pessoas, notando-se os nomes de visitantes de destaque social e autoridades em assuntos de arte.(5)
Realizou também mostras de seus trabalhos fotográficos fora do Espírito Santo, como informa o Diário da Manhã:
Encontra-se novamente nesta cidade o apreciado artista Octavio Paes, que realizou na Feira de Amostras do Rio de Janeiro, interessante exposição fotográfica, tendo merecido elogiosas referências das pessoas que visitam o seu belo stand.(6)
Em depoimento à imprensa da época, Paes afirma que essas exposições têm o mérito de mostrar o que o Espírito Santo possui e o que seu povo é capaz de fazer.
Na década de 30, dedica-se também ao cinema, fundando a Chanaan Filme, cujo objetivo era criar filmes nacionais de bom nível artístico. Colabora também com as filmagens da Produtora de Filmes Artísticos Nacional, conforme se constata na imprensa da época:
Octavio Paes dedica-se atualmente também ao cinema, fundando "Chanaan Filme" com o propósito de confeccionar esplêndidos filmes nacionais. O conceituado artista tornará por estes dias à CapitaI Federal, retornando, entretanto, brevemente a esta cidade, onde continuará com o seu conceituado atelier.(7)
Ou ainda:
Recebemos o Sr. Alexandre Wulfes, diretor da produtora de Filmes Artísticos Nacional, que se encontra em nossa cidade a serviço de sua profissão e que, em companhia do artista Paes está filmando vários aspectos da terra espírito-santense. Sob sua direção foi filmado o curta "Encantos de Vitória", exibido no Cine Glória .(8)
O artista Paes acaba de expor n'A Vidrália seu último trabalho de photographia moderna. É o quadro de formatura dos alunos da Escola de Aprendizes Artífices. Sem favor, é um trabalho merecedor dos melhores elogios, por isso que foge aos velhos moldes e processos ( ... ). De hoje em diante o quadro passará a ser exposto nas casas reunidas. Rua Jerônimo Monteiro, 7.(9)
Seja nos seus retratos, seja nas inúmeras paisagens captadas em toda a circunferência da baía de Vitória, nas quais o fotógrafo nordestino revela muito do encanto pela exuberante natureza espírito-santense, em plena luz ou imortalizada em incomparáveis pores-do-sol os seus trabalhos foram relacionados pelos comentaristas da imprensa da época, com trabalhos de pintura:
Paes é um fotógrafo que possui raras qualidades de artista. Os seus trabalhos, de um acabamento admirável, têm merecido os maiores elogios de todos os que têm recorrido à sua arte.(10)
Os retratos das belas e elegantes moças espírito-santenses, publicadas por Paes na revista Vida Capichaba, eram sublinhadas com a legenda:
Senhorinha (fulana de tal) fino ornamento da sociedade vitoriense.
Os de crianças também eram identificados por uma frase, do gênero:
Menino (a) ( fulano), dileto filhinho (a) de ... e ...
Paes procurou sempre inovar os acessórios e os efeitos de luz de estúdio e esmerar-se num trabalho que considerava artístico. Talvez por isso se revelasse avesso às inovações técnicas e materiais, optando por utilizar sempre a velha e pesada câmara manual. Foi um dos primeiros profissionais a utilizar em Vitória o recurso do "flash dinamite", movido a pólvora, que enchia de fumaça os mais concorridos salões e os temos de linho branco dos "almofadinhas" da época.
Embom o fotógrafo Paes tivesse colaborado durante muitos anos com várias revistas locais, o trabalho para esses periódicos não era remunerado. Mesmo a Vida Capichaba, a mais importante e a mais lida em todo o Estado e até com assinantes em outras regiões, não pagava os fotógrafos, confirma Cíntia M Costa:
( ... ) nem mesmo seus redatores. Almeida Cousin, Carlos Madeira e o jovem Aníbal de Ataíde Lima, então com seus 18 anos, recém-saído do Ginásio Espírito Santo, escreviam na revista quinzenalmente, apenas pelo prazer de publicar seus trabalhos.(11)
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Maria Cristina Nalin, no carnaval do Clube Vitória.
Autor: Foto Paes.
Data: cerca de 1958.
Dimensões: 23 x 17,5 cm.
Acervo: Letícia Educarda Nalin Lemos.
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Nos anos 40, os serviços já não ofereciam aos fotógrafos as mesmas condições de sobreviverem exclusivamente da própria arte, em razão da concorrência e do grande número de amadores. A clientela já não procura os profissionais, a não ser em momentos muito especiais, para registrar casamentos e batizados, pois os grandes laboratórios comerciais revelam em pouco tempo e por preços acessíveis, os filmes dos amadores. Nas propagandas publicadas por Paes, nessa época, o fotógrafo insiste em manter o charme do passado:
[ ... ] os mesmos preços, apesar da Guerra. O estúdio elegante da cidade. Rua Jerônimo Monteiro, 54 - Edificio Tabajara, Vitória.
Pouco afeito às inovações da indústria fotográfica, mais especificamente ao equipamento portátil, Paes preferiu continuar utilizando uma velha e câmara de lente anastigmática, mas também não conseguiu se adaptar
[ ... ] aos negativos de pequenos formatos. Sem Joanita - que faleceu em 1956 - Paes casou-se novamente com a jovem Vivina que, apesar de grande companheira, não conhecia os segredos de seu oficio. Com o peso dos anos dificultando o transporte do pesado equipamento para as festas, e as noivas exigindo fotos coloridas, o artista ( ... ) viu-se limitado às fotos para documentos. O tamanho 3 x 4 obviamente não lhe permitia mais recriar o amanhecer da baía de Vitória, mas em contrapartida é ideal para retratar o quão volúvel - senão volátil - pode ser a memória da cidade.(12)
Notas: (1) Vida Capichaba, 233, 30 jun. 1930. Paes era colaborador da revista, enviando-lhes vistas, etratos e montagens, como a de sua filha Yvonette Paes conversando comigo mesma e d Maria Bruzzi Avidos, esposa do dr. Moacyr M. Avidos, prefeito de Vitória, com os filhos Ruth, Dulce e Moacyr, no mesmo ano.
(2) “A exposição Paes”, Diário da Manhã, 01 fev. 1936, p.8.
(3) Vida Capichaba (365), 30 de maio 1934.
(4) “Inaugurada a Exposição Paes na A. E. I.”, Diário da Manhã, Vitória, 04 fev. 1936, p.8.
(5) “Exposição Paes”, id. Ib., 09 fev. 1936, p.1.
(6) Id., 10 dez. 1936, p.8.
(7) Diário da Manhã, 10 dez. 1936, p.8.
(8) Vida Capichaba (410), 30 de maio de 1936.
(9) Diário da Manhã, 21 ago. 1934, p.4.
(10) Vida Capichaba (402), 30 de janeiro de 1936.
(11) Cíntia M. Costa, “... Criador de lindas quimeras...”, In: Escritos de Vitória – 15 personalidades de Vitória, 1996, p.68.
(12) Cíntia M. Costa, op. Cit., p.69.
Referência: LOPES, Almerinda da Silva. Memória
aprisionada: a visualidade fotográfica capixaba, 1850/1950. [Vitória, ES?]:
EDUFES, 2002.
Fontes: Depoimentos de Ivonete Paes à autora e à aluna bolsista Alcione Dias, em 1998 e 1999.
Cíntia Moreira Costa, " ... Criador de lindas quimeras ... ", in Escritos de Vitória - 15 personalidades de Vitória. Vitória, Prefeitura Municipal/Secretaria Municipal de Cultura e Turismo, 1996, p.65 a 69.
Diário da Manhã, Vitória, 04 fev. 1936, p.S; 09 fev. 1936, p.1; 10 dez. 1936, p.8.
Vida Capichaba, Vitória, (365), 30 maio 1934; Id. (394), 15 set 1935; (402), 30 jan.1936.
Chanaan, n. 1, ano 1, 1936, p.49.




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