Filho
de Annita e Pedro Lucarelli, pequenos empresários do ramo de fabricação de
chocolates, na Itália, nasceu em Gênova (Itália), em 1884. Faleceu em Vitória a
22 de abril de 1967. Veio para o Brasil em companhia do cônsul da Itália, então
residente no Rio de Janeiro, Luigi Petrochi. (1) Fixa-se inicialmente em São
Paulo, onde começa a trabalhar como fotógrafo. Em razão da concorrência com
oficinas afamadas tanto de patrícios como de imigrantes vindos de todas as
regiões da Europa, decide mudar o empreendimento para Vitória, aqui chegando no
início do século XX. Conhecedor do oficio de fotógrafo já na Itália, onde
estudou em escola especializada - segundo informação de Francisco Quintas, de
quem foi discípulo e amigo - torna-se o primeiro profissional da área a montar
um estúdio fixo nesta cidade, no início do século, estabelecendo-se na rua
Duque de Caxias.
Tornou-se
o fotógrafo oficial do governo de Jeronymo Monteiro, no período de 1908 a 1912,
de quem foi também grande amigo e admirador. Eram companheiros inseparáveis em
caçadas realizadas nas matas das então vias da Serra e Cariacica. Na função de
fotógrafo oficial fazia as reportagens de todas as visitas oficiais de
personalidades políticas ao Espírito Santo, a exemplo do que se lê nesta
pequena nota:
O
sr. Alberto Lucarelli teve a gentileza de nos oferecer uma das excellentes
photographias que o estimado e competente artista tirou ante-hontem, pela
manhã, dos srs. drs. Nilo Peçanha, Jeronymo Monteiro e Francisco Sá. (2)
Cais Schimidt
Autor: Alberto Lucarelli.
Data: cerca de 1912.
Dimensões: 17,8x23 cm.
Acervo: Arquivo Público Municipal de Vitória.
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Nesta
redação, recebemos ontem a visita do pintor José Boscagli e do photographo Alberto
Lucarelli, anteontem chegados de Alagoas. Os distintos artistas, que aqui
estiveram acompanhados do estimável cavalheiro Sr. Ildebrando Resemini, acabam
de fazer no estabelecimento dos Srs. Resemini & Leone, uma exposição de
vários quadros que, segundo nos informam, muito recomendam os seus méritos. (
... ). (4)
A
notícia é assim vinculada pelo jornal Commercio do Espírito Santo:
Deu-nos
o prazer de sua visita o sr. José Boscagli, apreciado artista pintor, que faz
de alguns de seus trabalhos uma interessante exposição na casa Resemini &
Leone.
Artista
de merecimento, consagrado pela imprensa do Rio Grande do Sul, onde viveu
durante muitos annos e do Rio, onde esteve de passagem, O sr. Boscagli é um
cavalheiro de trato delicado e gentil que nos deixou agradabilíssima impressão.
De
seus trabalhos falaremos no próximo número. Em companhia do sr. Boscagli nos
visitou também o sr. Alberto Lucarelli, artista photographo, com longa prática
desse officio, que anda em excursão pelo norte da Republica.
O
sr. Lucarelli se demora alguns dias nesta capital e aceita chamadas para
trabalho em domicílio, garantindo a perfeição. (5)
Dinórah Salles de Sá
Autor: Alberto Lucarelli
Data:1918
Dimensões: 13,8x9,6 cm
acervo: Maria Filina Salles de Sá.
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Anúncios publicados no Diário da Manhã, em todo o ano de 1910 e início de 1911, informam que José Boscagli "pintor italiano consagrado no Rio Grande do Sul, pinta retratos a óleo". Realiza, no mesmo período, várias exposições de retratos de Lucarelli, pintados por ele a óleo e aquarela, entre os quais um retrato a óleo, em tamanho natural, do Presidente do Estado Jeronymo Monteiro, encomendado por um grupo de amigos, (6) do Marechal Hermes da Fonseca, Presidente eleito da República, (7) um de Cecília Monteiro e um do coronel Henrique Coutinho, encomendado para o Salão Nobre do Palácio do Governo. Sobre o assunto, a imprensa local informa:
Ao meio dia, no salão Domingos Martins, reunidos os srs. dr. Jeronymo Monteiro, sua consorte Cecilia Monteiro, Lafayette Valle, em nome da oficialidade do corpo de polícia, foi oferecido 'a exma. Sra. Cecilia Monteiro, o seu retrato a óleo, meio busto, trabalho do professor Boscagli (...). No dia 02 o sr. Dr. Jeronymo Monteiro visitou o quartel da força pública, onde descansou e tirou na ocasião, junto à oficialidade, uma photographia a magnésio o hábil photographo Lucarelli. (8)
Os
fotógrafos que não vinham do meio artístico e que não tinham, portanto,
condições de
elaborar trabalhos de fotopintura, tão a gosto da elite da época,
associam-se a algum fotógrafo-artista ou artista plástico, a exemplo do que faz
Lucarelli ao se associar a Boscagli. Apenas poucos dias depois, a imprensa dá
destaque ao trabalho do fotógrafo acompanhando a comitiva do governador
Jeronymo Monteiro à fábrica de tecidos de algodão, em Jucutuquara, que se
encontrava em construção, e à cobertura da visita da escritora Júlia Lopes de
Almeida ao Espírito Santo. (9) É notável a quantidade de trabalhos realizados
pelo fotógrafo, acompanhando o cortejo de Jeronymo Monteiro, em visitas tanto
na capital como em todo o interior, às vezes em dias subseqüentes,
acontecimentos que eram amplamente divulgados pelos jornais. Recebe também um
prêmio na Exposição Mundial de Turim, em 1911, conforme informa nas
propagandas.
Beatrice Morjardim.
Autor: Alberto Lucarelli.
Data: c. 1920.
Dimensões: 15x9 cm.
Acervo Beatrice Monjardim.
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A
convivência de Lucarelli com o artista italiano Boscagli parece ter sido
benéfica para ambas as partes. Além dos ganhos consideráveis advindos da
abundância de encomendas, Lucarelli aperfeiçoa seu trabalho, ao receber
ensinamentos de desenho e de pintura com aquarelas importadas, fundamentais
para o retoque e a coloração dos retratos de personalidades que continuaria a
elaborar durante e depois da volta de Boscagli ao Rio de Janeiro, em maio ou
junho de 1911. (10) E não foram poucas as personalidades da elite e da política
que se deixaram retratar pelo italiano, conforme nos informa a imprensa:
Na
vitrine do café Rio Branco acha-se exposto um esplêndido retrato do sr. Dr.
Júlio Pereira Leite, nosso illustre collega do Commercio do Espirito Santo,
bellissimo trabalho do sr. Alberto Lucarelli, que muito o recommenda como
intelligente cultivador que é da arte photographica. (11)
Apesar
de consagrado e muito atuante, o fotógrafo não se acomoda e continua a investir
em melhorias e na ampliação do seu estúdio, conforme se depreende desta nota
publicitária:
Alberto Lucarelli,
avisa aos seus amigos e clientes que mudou seu Atelier Photographico para a Rua
do Commercio, 20, antigo Hotel Victória, aonde installará muitos melhoramentos
concernentes a sua arte. (12)
E
este não foi o último local onde funcionou o seu estúdio, uma vez que ainda o
instalaria na Rua José Marcelino, 20, conforme se constata nas propagandas
publicadas na imprensa jornalística, em 1916.
Em
1919, propagandas publicadas no Diário
da Manhã, além de informarem sobre a sua especialidade em fotopintura,
ainda destacam a premiação do artista na Itália, já citada:
Photographia Lucarelli
Premiada na Exposição Mundial de Turim -
1911
Praça 8 de Setembro
Entrada pela Rua Duque de Caxias n.34
O atelier mais central da capital
Execução perfeita de qualquer trabalho photographico.
Ampliações,
retratos a oleo, crayon, pastel etc. (13)
Propagandas
posteriores informam estar estabelecido naquele mesmo endereço:
Photo Lucarelli -
grande brinde de fim de ano aos seus amigos e fregueses: quem tirar uma dúzia
de retratos álbum, terá por brinde uma ampliação da mesma photographia.
Executa-se qualquer encomenda em 24 horas. Arte, esmero, mocidade. Rua Duque de
Caxias n° 34. (14)
Mas
o fotógrafo elaborou também vistas de ruas, vilas e cidades, monumentos,
paisagens, e fez reportagens de casamento e outros eventos sociais e
religiosos.
Bem-relacionado
politicamente e admirado como fotógrafo, Lucarelli passou a trabalhar para
praticamente todos os governos estaduais, por um período de mais de 30 anos.
Assim, documentou as várias etapas das reformas do Palácio Anchieta, a
construção de monumentos e pontes, como a Florentino Avidos, entre outras.
Foram as lentes da câmara desse italiano que registraram todas as etapas da
construção das pontes de ferro, nos anos 1920, criando imagens de rara beleza,
muitas das quais citadas hoje como de autoria desconhecida, uma vez que nem
todas eram assinadas ou carimbadas por Lucarelli.
Em
1911, Alberto Lucarelli casa-se com a espanhola Maria Amoroz (filha de um
cantor de ópera), com a qual teve três filhos: Alberto Lucarelli Filho, Anita
Lucarelli Vilar e Angélica Lucarelli Amaral.
Além
de fotógrafo, dedicou-se também à música, tocando violino, atividade que ensinou
também aos filhos. Realizou várias viagens à Itália para visitar familiares e
amigos, para se aperfeiçoar e para resgatar aspectos culturais. Nessas viagens
à Itália, lá permanecia por períodos variados. A mais longa, que durou cerca de
quatro anos, na década de 1920, permitiu também ao filho estudar violino com
professores genoveses. Ao voltar da Europa, Alberto Lucarelli junta à sua
bagagem material fotográfico, um violino, um bandolim e um gramofone.
A
partir de 1923, torna-se colaborador de revista Vida Capichaba, (15) a qual tem
suas páginas ilustradas com inúmeros trabalhos do fotógrafo. Nesse ano, ainda
mantém o estúdio em Vitória, comercializando a dúzia de retratos a 5$000 (cinco
mil réis). (16) Em 1927, esteve em Pistóia, no país natal, publicando algumas
fotos da viagem na mesma revista Vida Capichaba.
Em
1925, importou da Itália uma motocicleta, tornando-se o primeiro a dirigir esse
tipo de veículo em Vitória, o que despertava curiosidade e estranhamento na
população local, que via a máquina como uma excentricidade.
Turíbio Farina.
Autor: Alberto Lucarelli.
Data: Década de 1920.
Dimensões: 11,5x7,7 cm; 18x7,8 cm (suporte.
Acervo: Celina L. Nalin.
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Durante
a Segunda Guerra, por ser italiano, enfrentou perseguição e problemas com a
polícia, refugiando-se durante algum tempo no morro Itapinambi.
O
fotógrafo ensinou a arte fotográfica ao filho e a vários outros jovens locais,
os quais o auxiliavam a fotografar e a revelar as imagens como seus
assistentes. Alberto Filho, no entanto, nunca revelou vocação para a atividade,
tomando-se, na segunda metade dos anos 30, funcionário do Departamento Nacional
de Café.
Depois
de aposentado, no final dos anos 40, Alberto Lucarelli abandonou a atividade
fotográfica e passou a viver num sítio que adiquiriu na Praia do Suá, na
Avenida Ordem e Progresso, hoje Avenida César Hilal.
Notas: (1) Luigi
Petrochi era toscano, de Pistóia, e, em 1910, radicou-se em Vitória, com a
esposa e os filhos Mário e Fiorino. Foi o último representante consular de
carreira e um dos fundadores do Clube Ítalo-Brasileiro, em Vitória, em 1968,
segundo Luiz Serafim Derenzi. Os italianos no Estado do Espírito Santo, 1974,
p.150.
(2)
Diário da Manhã, 1 de julho de 1910, p.2.
(3)
José Boscagli foi discípulo na Itália, d eMorini e Passani, quando conheceu
também os pintores brasileiros Pedro Américo e Décio Villares. Em 1897, veio
para o Brasil, indo direto para Porto alegre. Atuou como pintor oficial da
expedição de Rondon ao interior do país. Participou do Salão Nacional de belas
Artes, em 1924 e 1941, segundo Carlos Cavalcanti (coord.). Dicionário de
Artistas Plásticos. Brasília, INL/MEC, 1973.
(4)
Id. Ib. Vitória, 22 fevereiro 1910, p.2.
(5)
Id. Ib. Vitória, 22 fevereiro 1910, p.2.
(6)
Id. Ib. Vitória, 22 fevereiro 1910, p.2.
(7)
Commercio do Espirito Santo, Vitória, 21 fev.1910. Ao veicular a notícia da
exposição, o Diário da Manhã, em sua edição de 24 fev. 1910, p.3, informava que
chamava a atenção, na galeria de retratos pintados a óleo, o do Papa Leão XII.
(8)
Diário da Manhã, Vitória, 19 abril 1910, p.3.
(9)
Id. Ib. 29 março 1910, p.3 e 26 abril 1910,
p.2.
(10)
“O advento do ano novo”, Diário da Manhã, 5 jan. 1911, p.1.
(11)
Id. 14 jan. 1911; 19 março 1911, p.2. Diário da Manhã, 19 março 1919, p.6.
(12)
No entanto, mesmo depois de voltar ao Rio de Janeiro, J. Boscagli continuou
elaborando fotopinturas a óleo para membros da elite e da política capixaba, a
exemplo do retrato a óleo que elaborou de Moacyr Avidos (Diário da Manhã, 21
março 1926, p.3).
(13)
Diário da Manhã, 29 março de 1911, p.2.
(14) Id. Ib., 25 ago. 1911, p.2.
(15)
Id. 15 nov. 1919, p.3.
(16)
“Retratos”, Diário da Manhã, 15 fev. 1925, p.6.
Referência:
LOPES, Almerinda da Silva. Memória
aprisionada: a visualidade fotográfica capixaba, 1850/1950. [Vitória, ES]:
EDUFES, 2002.
Fonte: Depoimento
do neto do fotógrafo, Geraldo Lucarelli, à autora (LOPES, Almerinda da Silva. Memória aprisionada: a visualidade
fotográfica capixaba, 1850/1950. [Vitória, ES?]: EDUFES, 2002), em 24 fevereiro
de 1999.
Depoimento de
Francisco Quinta Júnior à autora, em 24 fevereiro de 1999.
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