segunda-feira, 28 de maio de 2018

ALBERTO LUCARELLI

Filho de Annita e Pedro Lucarelli, pequenos empresários do ramo de fabricação de chocolates, na Itália, nasceu em Gênova (Itália), em 1884. Faleceu em Vitória a 22 de abril de 1967. Veio para o Brasil em companhia do cônsul da Itália, então residente no Rio de Janeiro, Luigi Petrochi. (1) Fixa-se inicialmente em São Paulo, onde começa a trabalhar como fotógrafo. Em razão da concorrência com oficinas afamadas tanto de patrícios como de imigrantes vindos de todas as regiões da Europa, decide mudar o empreendimento para Vitória, aqui chegando no início do século XX. Conhecedor do oficio de fotógrafo já na Itália, onde estudou em escola especializada - segundo informação de Francisco Quintas, de quem foi discípulo e amigo - torna-se o primeiro profissional da área a montar um estúdio fixo nesta cidade, no início do século, estabelecendo-se na rua Duque de Caxias.
Tornou-se o fotógrafo oficial do governo de Jeronymo Monteiro, no período de 1908 a 1912, de quem foi também grande amigo e admirador. Eram companheiros inseparáveis em caçadas realizadas nas matas das então vias da Serra e Cariacica. Na função de fotógrafo oficial fazia as reportagens de todas as visitas oficiais de personalidades políticas ao Espírito Santo, a exemplo do que se lê nesta pequena nota:
O sr. Alberto Lucarelli teve a gentileza de nos oferecer uma das excellentes photographias que o estimado e competente artista tirou ante-hontem, pela manhã, dos srs. drs. Nilo Peçanha, Jeronymo Monteiro e Francisco Sá. (2)
Cais Schimidt
Autor: Alberto Lucarelli.
Data: cerca de 1912.
Dimensões: 17,8x23 cm.
Acervo: Arquivo Público Municipal de Vitória.
No início de 1910, em companhia do consagrado pintor, desenhista, escultor e fotógrafo italiano, nascido em Florença, Giuseppi Boscagli (1862-1945), realizou trabalhos em Alagoas, provavelmente a convite de alguma personalidade política. Boscagli já havia trabalhado antes no Rio de Janeiro e em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, no estabelecimento fotográfico de Jacinto Ferrari, para o qual produziu retratos de excepcional qualidade, entre 1897 e 1898. (3) Em 1900, fixou-se em Bento Gonçalves e, em 1909, vai para o Rio de Janeiro. Chega a Vitória em 1910, operando no estúdio de Lucarelli. Expôs na vitrina de urna loja comercial, em Vitória, alguns de seus trabalhos, conforme se constata nesta nota publicada na imprensa:
Nesta redação, recebemos ontem a visita do pintor José Boscagli e do photographo Alberto Lucarelli, anteontem chegados de Alagoas. Os distintos artistas, que aqui estiveram acompanhados do estimável cavalheiro Sr. Ildebrando Resemini, acabam de fazer no estabelecimento dos Srs. Resemini & Leone, uma exposição de vários quadros que, segundo nos informam, muito recomendam os seus méritos. ( ... ). (4)
A notícia é assim vinculada pelo jornal Commercio do Espírito Santo:
Deu-nos o prazer de sua visita o sr. José Boscagli, apreciado artista pintor, que faz de alguns de seus trabalhos uma interessante exposição na casa Resemini & Leone.
Artista de merecimento, consagrado pela imprensa do Rio Grande do Sul, onde viveu durante muitos annos e do Rio, onde esteve de passagem, O sr. Boscagli é um cavalheiro de trato delicado e gentil que nos deixou agradabilíssima impressão.
De seus trabalhos falaremos no próximo número. Em companhia do sr. Boscagli nos visitou também o sr. Alberto Lucarelli, artista photographo, com longa prática desse officio, que anda em excursão pelo norte da Republica.
O sr. Lucarelli se demora alguns dias nesta capital e aceita chamadas para trabalho em domicílio, garantindo a perfeição. (5)
Dinórah Salles de Sá
Autor: Alberto Lucarelli
Data:1918
Dimensões: 13,8x9,6 cm
acervo: Maria Filina Salles de Sá.



Anúncios publicados no Diário da Manhã, em todo o ano de 1910 e início de 1911, informam que José Boscagli "pintor italiano consagrado no Rio Grande do Sul, pinta retratos a óleo". Realiza, no mesmo período, várias exposições de retratos de Lucarelli, pintados por ele a óleo e aquarela, entre os quais um retrato a óleo, em tamanho natural, do Presidente do Estado Jeronymo Monteiro, encomendado por um grupo de amigos, (6) do Marechal Hermes da Fonseca, Presidente eleito da República, (7) um de Cecília Monteiro e um do coronel Henrique Coutinho, encomendado para o Salão Nobre do Palácio do Governo. Sobre o assunto, a imprensa local informa:



Ao meio dia, no salão Domingos Martins, reunidos os srs. dr. Jeronymo Monteiro, sua consorte Cecilia Monteiro, Lafayette Valle, em nome da oficialidade do corpo de polícia, foi oferecido 'a exma. Sra. Cecilia Monteiro, o seu retrato a óleo, meio busto, trabalho do professor Boscagli (...). No dia 02 o sr. Dr. Jeronymo Monteiro visitou o quartel da força pública, onde descansou e tirou na ocasião, junto à oficialidade, uma photographia a magnésio o hábil photographo Lucarelli. (8)
Os fotógrafos que não vinham do meio artístico e que não tinham, portanto, condições de
Beatrice Morjardim.
Autor: Alberto Lucarelli.
Data: c. 1920.
Dimensões: 15x9 cm.
Acervo Beatrice Monjardim.
elaborar trabalhos de fotopintura, tão a gosto da elite da época, associam-se a algum fotógrafo-artista ou artista plástico, a exemplo do que faz Lucarelli ao se associar a Boscagli. Apenas poucos dias depois, a imprensa dá destaque ao trabalho do fotógrafo acompanhando a comitiva do governador Jeronymo Monteiro à fábrica de tecidos de algodão, em Jucutuquara, que se encontrava em construção, e à cobertura da visita da escritora Júlia Lopes de Almeida ao Espírito Santo. (9) É notável a quantidade de trabalhos realizados pelo fotógrafo, acompanhando o cortejo de Jeronymo Monteiro, em visitas tanto na capital como em todo o interior, às vezes em dias subseqüentes, acontecimentos que eram amplamente divulgados pelos jornais. Recebe também um prêmio na Exposição Mundial de Turim, em 1911, conforme informa nas propagandas.
A convivência de Lucarelli com o artista italiano Boscagli parece ter sido benéfica para ambas as partes. Além dos ganhos consideráveis advindos da abundância de encomendas, Lucarelli aperfeiçoa seu trabalho, ao receber ensinamentos de desenho e de pintura com aquarelas importadas, fundamentais para o retoque e a coloração dos retratos de personalidades que continuaria a elaborar durante e depois da volta de Boscagli ao Rio de Janeiro, em maio ou junho de 1911. (10) E não foram poucas as personalidades da elite e da política que se deixaram retratar pelo italiano, conforme nos informa a imprensa:
Na vitrine do café Rio Branco acha-se exposto um esplêndido retrato do sr. Dr. Júlio Pereira Leite, nosso illustre collega do Commercio do Espirito Santo, bellissimo trabalho do sr. Alberto Lucarelli, que muito o recommenda como intelligente cultivador que é da arte photographica. (11)
Apesar de consagrado e muito atuante, o fotógrafo não se acomoda e continua a investir em melhorias e na ampliação do seu estúdio, conforme se depreende desta nota publicitária:
Alberto Lucarelli, avisa aos seus amigos e clientes que mudou seu Atelier Photographico para a Rua do Commercio, 20, antigo Hotel Victória, aonde installará muitos melhoramentos concernentes a sua arte. (12)
E este não foi o último local onde funcionou o seu estúdio, uma vez que ainda o instalaria na Rua José Marcelino, 20, conforme se constata nas propagandas publicadas na imprensa jornalística, em 1916.
Em 1919, propagandas publicadas no Diário da Manhã, além de informarem sobre a sua especialidade em fotopintura, ainda destacam a premiação do artista na Itália, já citada:
Photographia Lucarelli
Premiada na Exposição Mundial de Turim - 1911
Praça 8 de Setembro
Entrada pela Rua Duque de Caxias n.34
O atelier mais central da capital Execução perfeita de qualquer trabalho photographico.
Ampliações, retratos a oleo, crayon, pastel etc. (13)
Propagandas posteriores informam estar estabelecido naquele mesmo endereço:
Photo Lucarelli - grande brinde de fim de ano aos seus amigos e fregueses: quem tirar uma dúzia de retratos álbum, terá por brinde uma ampliação da mesma photographia. Executa-se qualquer encomenda em 24 horas. Arte, esmero, mocidade. Rua Duque de Caxias n° 34. (14)
Mas o fotógrafo elaborou também vistas de ruas, vilas e cidades, monumentos, paisagens, e fez reportagens de casamento e outros eventos sociais e religiosos.
Bem-relacionado politicamente e admirado como fotógrafo, Lucarelli passou a trabalhar para praticamente todos os governos estaduais, por um período de mais de 30 anos. Assim, documentou as várias etapas das reformas do Palácio Anchieta, a construção de monumentos e pontes, como a Florentino Avidos, entre outras. Foram as lentes da câmara desse italiano que registraram todas as etapas da construção das pontes de ferro, nos anos 1920, criando imagens de rara beleza, muitas das quais citadas hoje como de autoria desconhecida, uma vez que nem todas eram assinadas ou carimbadas por Lucarelli.
Alberto Lucarelli e Maria (esposa), filhos e neta: Angélica (em pé, atrás do pai); Alberto Lucarelli Filho e esposa (em pé, no centro); Anita Lucarelli (sentada à direita); Vilar, marido de aAnita e Dulce, filha de Anita. Autor: alberto Lucarelli.. Data: cerca de 1938. Dimensões: 8,4x13,5 cm. Acervo: Geraldo Lucarelli.
Em 1911, Alberto Lucarelli casa-se com a espanhola Maria Amoroz (filha de um cantor de ópera), com a qual teve três filhos: Alberto Lucarelli Filho, Anita Lucarelli Vilar e Angélica Lucarelli Amaral.
Além de fotógrafo, dedicou-se também à música, tocando violino, atividade que ensinou também aos filhos. Realizou várias viagens à Itália para visitar familiares e amigos, para se aperfeiçoar e para resgatar aspectos culturais. Nessas viagens à Itália, lá permanecia por períodos variados. A mais longa, que durou cerca de quatro anos, na década de 1920, permitiu também ao filho estudar violino com professores genoveses. Ao voltar da Europa, Alberto Lucarelli junta à sua bagagem material fotográfico, um violino, um bandolim e um gramofone.
A partir de 1923, torna-se colaborador de revista Vida Capichaba, (15) a qual tem suas páginas ilustradas com inúmeros trabalhos do fotógrafo. Nesse ano, ainda mantém o estúdio em Vitória, comercializando a dúzia de retratos a 5$000 (cinco mil réis). (16) Em 1927, esteve em Pistóia, no país natal, publicando algumas fotos da viagem na mesma revista Vida Capichaba.
Em 1925, importou da Itália uma motocicleta, tornando-se o primeiro a dirigir esse tipo de veículo em Vitória, o que despertava curiosidade e estranhamento na população local, que via a máquina como uma excentricidade.
Turíbio Farina.
Autor: Alberto Lucarelli.
Data: Década de 1920.
Dimensões: 11,5x7,7 cm; 18x7,8 cm (suporte.
Acervo: Celina L. Nalin.
Tal como o seu pai, que era integralista convicto, Alberto Lucarelli foi também simpatizante da ideologia dos conhecidos "camisas verdes", na Itália. Entretanto, no Brasil, manteve-se aparentemente à margem de qualquer participação político-ideológica, uma vez que nunca se aproximou dos militantes integralistas locais.
Durante a Segunda Guerra, por ser italiano, enfrentou perseguição e problemas com a polícia, refugiando-se durante algum tempo no morro Itapinambi.
O fotógrafo ensinou a arte fotográfica ao filho e a vários outros jovens locais, os quais o auxiliavam a fotografar e a revelar as imagens como seus assistentes. Alberto Filho, no entanto, nunca revelou vocação para a atividade, tomando-se, na segunda metade dos anos 30, funcionário do Departamento Nacional de Café.
Depois de aposentado, no final dos anos 40, Alberto Lucarelli abandonou a atividade fotográfica e passou a viver num sítio que adiquiriu na Praia do Suá, na Avenida Ordem e Progresso, hoje Avenida César Hilal.
Notas: (1) Luigi Petrochi era toscano, de Pistóia, e, em 1910, radicou-se em Vitória, com a esposa e os filhos Mário e Fiorino. Foi o último representante consular de carreira e um dos fundadores do Clube Ítalo-Brasileiro, em Vitória, em 1968, segundo Luiz Serafim Derenzi. Os italianos no Estado do Espírito Santo, 1974, p.150.
(2) Diário da Manhã, 1 de julho de 1910, p.2.
(3) José Boscagli foi discípulo na Itália, d eMorini e Passani, quando conheceu também os pintores brasileiros Pedro Américo e Décio Villares. Em 1897, veio para o Brasil, indo direto para Porto alegre. Atuou como pintor oficial da expedição de Rondon ao interior do país. Participou do Salão Nacional de belas Artes, em 1924 e 1941, segundo Carlos Cavalcanti (coord.). Dicionário de Artistas Plásticos. Brasília, INL/MEC, 1973.
(4) Id. Ib. Vitória, 22 fevereiro 1910, p.2.
(5) Id. Ib. Vitória, 22 fevereiro 1910, p.2.
(6) Id. Ib. Vitória, 22 fevereiro 1910, p.2.
(7) Commercio do Espirito Santo, Vitória, 21 fev.1910. Ao veicular a notícia da exposição, o Diário da Manhã, em sua edição de 24 fev. 1910, p.3, informava que chamava a atenção, na galeria de retratos pintados a óleo, o do Papa Leão XII.
(8) Diário da Manhã, Vitória, 19 abril 1910, p.3.
(9) Id. Ib. 29 março 1910, p.3 e 26 abril 1910,  p.2.
(10) “O advento do ano novo”, Diário da Manhã, 5 jan. 1911, p.1.
(11) Id. 14 jan. 1911; 19 março 1911, p.2. Diário da Manhã, 19 março 1919, p.6.
(12) No entanto, mesmo depois de voltar ao Rio de Janeiro, J. Boscagli continuou elaborando fotopinturas a óleo para membros da elite e da política capixaba, a exemplo do retrato a óleo que elaborou de Moacyr Avidos (Diário da Manhã, 21 março 1926, p.3).
(13) Diário da Manhã, 29 março de 1911, p.2.
(14) Id. Ib., 25 ago. 1911, p.2.
(15) Id. 15 nov. 1919, p.3.
(16) “Retratos”, Diário da Manhã, 15 fev. 1925, p.6.

Referência: LOPES, Almerinda da Silva. Memória aprisionada: a visualidade fotográfica capixaba, 1850/1950. [Vitória, ES]: EDUFES, 2002.
Fonte: Depoimento do neto do fotógrafo, Geraldo Lucarelli, à autora (LOPES, Almerinda da Silva. Memória aprisionada: a visualidade fotográfica capixaba, 1850/1950. [Vitória, ES?]: EDUFES, 2002), em 24 fevereiro de 1999.
Depoimento de Francisco Quinta Júnior à autora, em 24 fevereiro de 1999.

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